A realidade contrariou as minhas previsões.


Em outras palavras: eu nunca imaginei que seria assim.

Tendo recebido o cheque, o primeiro nesta fase, encontro, à porta do cliente, um amigo meu de velha data, também prestador de serviço àquele cliente, que há tempo eu não via. Cumprimentei-o com alegria aceitei sua surpresa por encontrar-me.

– Uai, cê tá no ramo?
– Pois é, sô, voltei. Um pouco diferente agora, mas voltei. Precisamos conversar.
– Passa lá, uai. Cê sumiu. Quanto tempo! Vc não mudou nada – mentiu pra me agradar. Sorri, semiabraçamo-nos e deixei-o lá.

Corri para o banco. Ah, meu Deus, descontar cheque, que coisa mais antiga! Fazer o quê. Fiz menção de esvaziar os bolsos, mas o guarda, julgando-me confiável chamou-me com a mão direita. “Venha”. Passei a porta da humilhação, pedi a senha normal. A pressa me incomodava, a fila me atordoava. Alguns anos sem receber um cheque e pego logo essa fila morosa.

Desejei que houvessem se passado os dois dias próximos, mas, com o tempo não se brinca. Nem bem eu me alcamara e aquele meu amigo entrou no banco. Vimo-nos e a conversa encanou:

– Então, ocê tá trabalhando no ramo, rapá.
– Pois é ... contei como foi a minha volta.
– Eu tô querendo é parar ...

Papo vai, papo vem, quando dei por mim, já havia se passado a minha vez. Cinco senhas na frente. Caramba!

Fui ao caixa, usei a respeitabilidade da barba esbranquiçada e fui atendido.

Mas a vida é sacana. A gente passa meses, anos, sem um acontecimento. Repentinamente, ele se dá. Não se iluda, ele repetirá por umas vezes, até cair no cansaço e não mais. Uns oito dias depois, tenho de voltar ao mesmo banco para descontar outro cheque, daquele mesmo cliente.  

Desta vez, eu me vingo, pensei.

– Uma senha de velho, por favor.

O bancário olhou-me com alguma desconfiança, mas deu-me-a. Fui atendido sem trocar palavra com quem quer que fosse. Eu, há seis dias, tornara-me sex(agenário).

Mas eu, quando tinha lá os meus 40 anos pensava: quando for velho, se enfrentar fila de banco, enfrentarei o atendimento normal. Vou conversar, rir, descontrair. Afinal, um velho pode demorar na fila, contar piada, falar mal do governo, conhecer gente.


Eu estava redondamente enganado. 

É. Como disse o Drummond: Eta vida besta, sô.

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