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Mostrando postagens de julho, 2017

O discurso comovente de d’A Lágrima de Guerra Junqueiro

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Hezio Teixeira*     Ainda surpreendo-me, 45 anos depois de haver lido pela primeira vez, com a oralidade contida no “A lágrima”, de Guerra Junqueiro. Ainda espanta-me o discurso silencioso da etérea lágrima, exercida em sua passividade, ante as manobras sedutoras dos seus pretendentes. Nem ouro, nem poder, nem força. Todos apequenados em importância, ante a gota de orvalho.    Ainda rendo-me ao trabalho professoral do quase simplório e antiquado Antônio Ferreira, o professor que apresentou a mim esse poeta inesquecível. No entanto, se se reunissem hoje meus colegas de sala da época para perguntar “quem se lembra”, pressinto: um ou outro apenas apresentar-me-ia reminiscências do poema, mas duvido que alguém do professor tenha se esquecido.  Nem o prof. Antônio restringiu-se a esse poeta, nem esse poeta restringiu-se a essa obra, logicamente. Contudo, a intensidade do discurso, a complexidade narrativa e a eloquência da mensagem possibilitam ao leitor a imediata c

Um certo homem certo

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- Posso sentar? - É seu o banco, senhor. - Com a dor dos quadris não fico em pé muito tempo - O quê?! - Fui atropelado. - Estico o beiço, comiserando admirado. - Atropelei um carro, na verdade. - Agravo meu espanto ante a novidade. - Atravessei a rua com o sinal aberto contra mim. Uma mulher dirigia o carro. Me jogou lá na frente, fui hospitalizado. Dói ainda hoje. - E ela? - Coitada, apavorou. Insistiram que eu a processasse, pra me indenizar. Mas como? Não é justo. A culpa foi minha. - Perdi a fala momentaneamente. - Trabalho de pintor de parede. Serviço cansativo, mas honrado. - Por conta própria? - É. Estava pintando uma casa bonita. De um advogado. Mas saí de lá. O Doutor me conhece ha tempo, mas não podia continuar. - Por que, perguntei - Ele veio me oferecer favores pra eu testemunhar num processo contra uma pessoa que nem conheço. - É mesmo?! - Imagine o senhor. Ele me disse: ”é só uma assinatura. - Não vai dar nada pra você”. Acabei me

Difícil definir amigo.

Amigo é quem te dá um pedacinho do chão, quando é de terra firme que você precisa, ou um pedacinho do céu, se é o sonho que te faz falta. Amigo é mais que um ombro amigo, é mão estendida, mente aberta, coração pulsante, costas largas. É quem tentou e fez, e não tem o egoísmo de não querer compartilhar o que aprendeu. É aquele que cede e não espera retorno, porque sabe que o ato de compartilhar um instante qualquer contigo já o realimenta, satisfaz. É quem já sentiu ou um dia vai sentir o mesmo que você. É a compreensão para o seu cansaço e a insatisfação para a sua reticência. É aquele que entende seu desejo de voar, de sumir devagar, a angústia pela compreensão dos acontecimentos, a sede pelo “por vir”. É ao mesmo tempo espelho que te reflete, e óleo derramado sobre suas águas agitadas. É quem fica enfurecido por enxergar seu erro, querer tanto o seu bem e saber que a perfeição é utopia. É o sol que seca suas lágrimas, é a polpa que adocica ainda mais seu sorriso.

Sobre Aletras, poesia, prosa, Darcy Ribeiro e Cora Coralina.

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            Participar de uma coletânea é um desafio particular. Entre tantos escritores de diversas vertentes criativas, é muita responsabilidade. Mas também é não me sentir só, mostrando a cara ao leitor, esse ente exigente com muita razão. O que fizemos foi chamar os que se dispusessem a primeiramente homenagear o grande brasileiro (e particularmente mineiro) Darcy Ribeiro, escolhido patrono da ALETRAS – Academia Aguaslindense de Letras. Feita a homenagem, cada um acelerou a seu modo o motor da criatividade. E deu no que deu. Águas    Lindas de Goiás é a mais nova cidade do entorno do Distrito Federal, cortada pela BR 070, que liga  Brasília à Bolívia – mais de 1.300 km de extensão, cortando uma grande região de celeiro agropastoril brasileiro que inclui Barra dod Garça, Primavera do Leste e Cuiabá. Águas Lindas está no caminho do progresso. E progride. A Aletras, atualmente presidida pelo professor Filemon Félix de Morais, nascido na quase margem da BR 070,

Um dia de alegria.

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  Conversa de bar ... vô contá procês ... aconteceu mesmo. Há uns cinco anos. Entro naquele bar dance dali, da Rio de Janeiro, vou pra uma mesa bem no canto, perto da janela, pra me esconder, é claro. Dezoito anos não é idade de vacilar, não. Governo militar, se a polícia ou exército bate num recinto qualquer, não importa quem tá lá. O pau canta. Todo mundo tem de se identificar e ai de quem não tem documento. Vai preso por vadiagem, por desordem, por bebedeira … por desacato, então, virgem Maria, vai pá de gente presa. E tem a maldita prisão para averiguação. Sem dinheiro, sem família, não posso dar sopa na rua depois de anoitecer. Depois das dez da noite, então, nem pensar. E, quando a sorte engancha no cangote de alguém, gente, tudo dá certo, mas se o azar senta no ombro do sujeito, é baixar a cabeça e viver encurvado, até pintar um diamante na bateia. Fico observando um velhote sentado, cerveja na mesa, copo servido e intocado, lê jornal, escondido atrás dele ali, na

O desmonte do promotor

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Em Itapemirim, no Espírito Santo, havia um promotor de justiça com fama de durão, briguento. Sabe como é essa gente. Num cartório de notas, além do tabelião e de um escrevente, trabalhava um noviço. Podia alguma coisa, mas tinha de saber seu papel no teatro da vida. Merecedor da confiança do tabelião, de família detentora de algum respeito na praça, bom de conversa ... nada mais. Deu-se que esse dito promotor Roberto Daniel comprou umas terras de um espólio e uns dos que assinariam a escritura moravam na capital. O promotor besuntou de conversa o ouvido do tabelião, querendo levar o livro a Vitória para colher as assinaturas. Seu Walmerly, o tabelião ponderou. Não podia entregar-lhe o livro. Senão, amanhã ficariam ambo em maus lençóis, descoberta essa irregularidade. A solução foi dar o livro aos cuidados do noviço que o levaria colado ao peito, feito bíblia de protestante. Ouviu as recomendações: ouvir muito, falar pouco, conferir os documentos, colher as assinatu

uma lenda chamada navalha

Ninguém poderia imaginar. Da janela do seu apartamento no prédio branco da QNL, Edmil­son via a casa arrumadinha. Uma vez ou outra, via sair de casa um senhor negro corpulento, olhar investigativo, simpático. Mauro Dutra Torres Os homens o conheciam bem, as mulheres, melhor. Era seu Mauro pra cá, seu Mauro pra lá. O vizinho admirado era motorista de ministério. Bom salário, terno, unhas cuidadas. Chegou o carro fúnebre, aquele rabecão esquisito. Devia ser me­nos triste, esse veículo que leva morto. Um cara boa praça como o seu Mauro, ser levado em sua última viagem num carro feio desses. Injusto. Mas, dona Creuza, o que isso tem a ver? Quem morreu, morreu. Fica só na nossa lembrança. Credo, Seu Fiuza, eu gostava tanto dele. Tô sabendo, Dona Creuza. Debaixo desse angu tem car­ne. Edmilson havia descido pra assuntar o movimento em torno da morte do vizinho. Não era todo dia que morria alguém assim, tão pertinho. Embora não fosse enturmado com a vizinhança, fo

O perfume

O vagão do metrô não cabia mais ninguém, nem me mexer eu podia. Atrás de mim alguém que havia embarcado no empurra-empurra portava-se com respeito. Vi que era um homem por seu braço que, sobre meu ombro direito, alcançava o balaustre. Mais um olhar discreto para o braço – homem de mais de quarenta. Comecei assuntar, movida por inexplicável curiosidade, mas o silêncio imperava. Até sua respiração, apesar de meus cabelos, amarrados em rabo tocarem-lhe a face indicando extrema proximidade entre sua boca e meu pescoço, era inaudível. Fechei os olhos, seduzida pelo cheiro inebriante do perfume que talvez só eu pudesse divisar, dentre tantos perfumes de homens e mulheres apinhadas no trem. Quanto mais eu aspirava, tentando despistar meu crescente interesse por aquele homem misterioso que, muito provavelmente, sequer notara minha presença, mais meu corpo inchava, minha mente voava ao paraíso, sem mesmo imaginar nada. Não sei quantos eternos segundos durou meu êxtase. Quando v

Contra a corrupção, cidadania e princípios éticos

Hézio Teixeira(*) Dia desses, disse-me um amigo meu que lhe foi proposto um patrocínio cultural com a condição de pagar propina. De cinquenta por cento. Acreditem, eu ouvi isso! No pleno vigor das manifestações, dos debates, das operações contra corrupção, o Brasil vivendo talvez a maior das suas crises de credibilidade, muitos de nós arrancando os cabelos desesperançados com nosso futuro como nação, ouço-o como um soco no peito. O que recebeu a proposta, naquele beco sem saída que quase todos nós que empreendemos experimentamos ou experimentaremos, balançou. Se aceitou e se o negócio se concretizou não importa agora, mas não, ainda. O simples fato de alguém propor já é corrupção. O fato de o outro não rechaçar veementemente também o é. Lei contra corrupção, proposta da promotorada, berros de políticos, pose se juízes, histeria em praça pública, pra quê? A corrupção está dentro das pessoas, na ambição, no destemor, na falta de princípios. Está no conceito de que ter é

Ciclo da Vida

Para Cawel Raposos de Sétimo de João A ave alçou seu último voo visível Deixou o bando, rumo ao infinito, A farfalhar flamejante os seus gorjeios Em pena, em voz, em poesia, em lira Foi Drummond de Raposos e Bilac Enquanto a vida lhe deu palco Fluiu mensagens de amor da Távola Entre nós, recordando cerro azul Ouviu estrelas, provocou em versos, Lembrou seus oito anos (doces) Adornou vidas com mãos de Eurídice, Para por fim, plainar no universo.

Meus refrões

Sétimo de João   Por pai, tive um mineiro terno e vigoroso   Que não tinha sempre ternura nem vigor   Por mãe, um ser sublime, resistente e emotivo   Que às vezes exibia força e camuflava dor   Tudo me pareceu  sonho até a uma altura   Depois a realidade socou-me a cara   A desilusão felina arranhou-me   Enquanto entre boa e má, transmutava-se          Desde a infância foram os meus amigos,   Nem um pouco mais do que circunstanciais   Ninguém que fosse um passo além de si próprios   Acima ou abaixo dos seus interesses privacionais   E vida transcorreu como um imbróglio   Passei e recebi inomináveis carões   Fui tolo mais vezes do que sábio   E enganei alguns, com meus refrões.

Baú de alegria

Sétimo de João Abro das alegrias O baú a muita chave Que bem verias Se não fosses grave A incerteza velha Rebolei no caminho Enterrada e salgada A outra vai comigo E do amor com que amei Trago ainda semente Capaz de tornar-se, eu sei, Numa caldeira fervente

À Poesia

Do quê é feita então a poesia Se diante dela não se morre nem se cria Se não se faz poemas sobre acontecimentos Os lugares não entram em seu fomento Se não se faz poemas com o corpo E nem se faz com os olhos a se fingir de morto A poesia não é de efemeridade Nem tampouco de insinceridadade É um surdo penetrar no reino de palavras Em total surdez  e encantamento Pra despertar os mistérios e significados Trazer para o mundo um senso de equidade A poesia reina, dita as regras de vida saudável Tem seus favores feitos de sinceridade E traduz a alma à eternidade Quem é poeta se não o que vive em poesia Sem ter desejo nem ter regalia Só essa doação inteira, completa, absoluta à poesia.

À luta

No sofrer descabido da vida Exausto de desviver, muita vez Cheira vento, bebe flor, come chuva. Que pobre, nem de fubá é freguês Padece o que um apedeuta sofre Sem graça, desmotivado, sem fé Mas ao amor que sempre se avizinha E à esperança que acolhe a mão dá Longe de afogar-se em suas mágoas Ergue a fronte e anda sobre águas Rompe amarras, nada de deter-se Porque ao fraco não premia o forte Empunha a fé que antes não tinha E destemido vence até a morte