Discurso de Posse na Academia Aguaslindense de Letras
– Aletras.
Panegírico ao patrono da cadeira 06 – José Mauro de
Vasconcelos
Empossado: Hézio
Teixeira
Senhor presidente, corpo
acadêmico, senhoras e senhores.
Uma das mais marcantes
características de um escritor de literatura é seu saber sobre a alma humana.
Esse conhecimento nunca é fruto apenas da vivência acadêmica, nem apenas da
leitura habitual e fervorosa, ao longo de anos e de variados temas, nem do seu
domínio da língua pátria, embora tudo isso tenha de somar-se, credenciando o
escritor. A capacidade de desvendar pequenos ou grandes detalhes da alma, esse
domínio das causas e dos efeitos do caminhar humano ao longo de sua existência
é uma dádiva que a poucos é dada. E há, dentre esses privilegiados que a
recebem, uns que não se capacitam nem se dedicam a ela, nem podem medir sua
importância, embora mesmo o que se desdobra no fazer literário não o faça para
demonstrar esse conhecimento. Até porque, muitas vezes, o faz por um sentimento
de dever superior a si mesmo.
Entrar nessa brecha que
o meio literário da cidade de Águas Lindas de Goiás me abre neste momento é um
misto de contentamento e desafio. Contentamento por abraçar a causa da
literatura, contentamento por unir-me a pessoas comprometidas com o saber,
contentamento pela honraria que representa uma cadeira acadêmica efetiva,
contentamento pela expectativa do meu crescimento intelectual e outros tantos
contentamentos. E o desafio não é menor: entender, produzir, colaborar, formar
corpo, abrir-me ao novo, dar-me à sociedade pela nobreza da literatura, acatar
o saber popular – um desafio vai somando-se ao outro.
Neste exato momento, no
entanto, o desafio que me é posto é o choque de literatura e de vida, é a
descarga de emoção e de reflexão que recebi, mediante a prazerosa
responsabilidade de falar sobre “Arara vermelha”, “Meu pé de laranja lima”, “O
garanhão da praia”, “Barro blanco”, “Rosinha – minha canoa”, falando umas
poucas porções sobre seu autor. Porque o que importa mesmo em um escritor não é
ele, mas a sua obra. A imortalidade atribuída a um acadêmico é dele apenas por
simbolismo, mas verdadeiramente é da sua obra.
O que hoje posso dizer
é muito pouco, pouquíssimo, sobre um dos autores mais valorosos da nossa
literatura. E digo pouco não somente pela vastidão do campo-vida de José Mauro
de Vasconcelos, patrono da cadeira 06 da Aletras, em que, neste momento por
pura ousadia, mas invocando toda a humildade que me couber, aceito ocupar, mas
por ser eu mesmo parco conhecedor desse brasileiro e de sua obra. Um autor profícuo, que teve seus livros
traduzidos e respeitados em tantos países, que a partir de sua obra se produziu
teledramaturgia e cinema, que recebeu e recebe honrarias, que tem suas obras
estudadas em tantos cantos do mundo, não pode ser facilmente desvendado por mim
e muito menos no lapso que tive para preparar este modesto pronunciamento.
Uma coisa eu afirmo
convicto: trata-se de um homem que projetou sua imagem com tal simplicidade que
não assumiu postura de intelectual, embora merecesse; não buscou a glória de um
laborioso escritor de escrivaninha, mas foi um ventre que gestou livros a
partir de embriões-ideias-vivência para depois dar-lhes à luz num mergulho de
quase insanidade, por dias, apenas; que emergiu desses tempos de quase
inexistência para voltar à vida com a modéstia de um gênio, exercendo funções
diversas, produzindo seu sustento em ocupações tão díspares quanto ator e
operário, nadador e locutor de rádio, agricultor e garimpeiro. Esse meu nobre
patrono, senhoras e senhores, declarou que seus livros são sobre ele mesmo. E
se assim foi, que homem foi esse, que escreveu livros tão diversos, ao mesmo
tempo provincianos e universais?
Então, neste caso,
embora contrariando o que eu mesmo disse há pouco, falar de José Mauro é falar
de sua obra e falar da obra de Zé Mauro é falar dele.
Mas quero, sobre uma
obra sua apenas, dizer poucas palavras: “Arara Vermelha” é uma declaração em
que ele não tergiversa. Deixa cristalino que há três defeitos (ou seriam três
pecados) da alma humana, tão mortais quanto qualquer arma, que manifestam-se
num pequeno grupamento que circunvizinha-se de a uma draga de garimpar diamante
no interior da selva amazônica, como hienas em torno da caça que as leoas
arriscaram-se para abater. E manifesta-se lá como se manifestaria em qualquer
rico salão metropolitano, porque não são defeitos da sociedade, primeiramente,
mas o são do indivíduo. São eles: a ganância, a vaidade e a má formação do
caráter. Afetados por eles, caríssima plateia, as personagens da trama vão da
gloria à desgraça sem atravessar qualquer fronteira, sem transpor qualquer
percalço – sem subida, sem descida, numa transposição quase inexistente.
Sobre José Mauro de
Vasconcelos, o terno, atrevido e verdadeiro personagem Zezé de meu pé de
laranja lima, é o que eu tinha a dizer neste parlatório, mas saibam os senhores
e anote-se nos anais: prometo, para fazer jus à honraria que recebo, elevar a
obra do meu patrono, ergue-la nas mãos, estando eu nas pontas dos pés. E não o
farei só, porque conto com o grupo tanto quanto desejo que o grupo conte
comigo. Por entender que assim é que se engrandece uma academia de letras:
produzindo e semeando conhecimento, ideias e textos sobre a nossa única riqueza
verdadeira: o escrutínio da razão de ser da existência humana; e fazê-lo como
quem dirige um carro, com um para-brisa amplo mostrando o futuro e três
retrovisores, porque a literatura, afirmo a vós que me ouvis, é o elo mais
confiável entre o nosso passado e o nosso futuro. Somando-se prosa e verso,
como fez José Mauro de Vasconcelos, plantaremos sim, e o solo é fértil, e a
colheita será farta.
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