O perfume







O vagão do metrô não cabia mais ninguém, nem me mexer eu podia. Atrás de mim alguém que havia embarcado no empurra-empurra portava-se com respeito. Vi que era um homem por seu braço que, sobre meu ombro direito, alcançava o balaustre. Mais um olhar discreto para o braço – homem de mais de quarenta. Comecei assuntar, movida por inexplicável curiosidade, mas o silêncio imperava. Até sua respiração, apesar de meus cabelos, amarrados em rabo tocarem-lhe a face indicando extrema proximidade entre sua boca e meu pescoço, era inaudível.

Fechei os olhos, seduzida pelo cheiro inebriante do perfume que talvez só eu pudesse divisar, dentre tantos perfumes de homens e mulheres apinhadas no trem. Quanto mais eu aspirava, tentando despistar meu crescente interesse por aquele homem misterioso que, muito provavelmente, sequer notara minha presença, mais meu corpo inchava, minha mente voava ao paraíso, sem mesmo imaginar nada. Não sei quantos eternos segundos durou meu êxtase. Quando voltei a pisar sobre meus pés, ouvi a locutora do metrô: estação galeria. Corri para desembarcar e, na vida de gado em desembarque, não pude ver quem era o perfumado, atrás de mim.

No trabalho, corri ao banheiro. Sequei os vestígios de minha viagem às cercanias do trono de Afrodite. Em vão. Eu havia sido contagiada por algo maior do que um simples perfume. Um dia no cio.

Acabou o expediente, me mandei pra as obrigações de dona de casa e esposa, para apagar o fogo que me ardia as entranhas.

Vontade incontrolável de sentir de novo aquele perfume. Inútil. Todos estavam com a costumeira cara de cansaço, normalidade, conversa, alguns livros, muitos celulares. Nada me interessava, fiquei louca. Talvez. Aquela loucura, que toda mulher gostaria de viver. Viagem comprida, o tempo não passa.

Estação Furnas, desembarquei entre decepcionada e feliz. O perfume desapareceu misteriosamente e eu só queria chegar logo em casa para encontrar meu marido, travar uma batalha animal, me deixar ser levada pelo caminho encantado que a natureza nos ensina.

Em casa, encontrei meu marido ressabiado, com aquela cara de pedinte que ele costuma fazer quando o fogo da imaginação o consome. Trocamos poucas palavras. Tomei banho rápido, tocando as teclas do meu corpo já aceso, como um copiloto ligando os botões da aeronave para entregar ao piloto.  Arrumei, perfumei, iluminei.

Depois de nossas reinações inconfessáveis, lá pela meia noite, quando as fadas se recolhem, ouvi meu príncipe murmurar, fingindo não querer que eu ouvisse:

- Humm, aquele perfume ... coisa de louco ... a amostra valeu. 


                                                      Hézio Teixeira

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