Um certo homem certo


Resultado de imagem para imagem do interior do terminal tietê
- Posso sentar?
- É seu o banco, senhor.
- Com a dor dos quadris não fico em pé muito tempo
- O quê?!
- Fui atropelado.
- Estico o beiço, comiserando admirado.
- Atropelei um carro, na verdade.
- Agravo meu espanto ante a novidade.
- Atravessei a rua com o sinal aberto contra mim. Uma mulher dirigia o carro. Me jogou lá na frente, fui hospitalizado. Dói ainda hoje.
- E ela?
- Coitada, apavorou. Insistiram que eu a processasse, pra me indenizar. Mas como? Não é justo. A culpa foi minha.
- Perdi a fala momentaneamente.
- Trabalho de pintor de parede. Serviço cansativo, mas honrado.
- Por conta própria?
- É. Estava pintando uma casa bonita. De um advogado. Mas saí de lá. O Doutor me conhece ha tempo, mas não podia continuar.
- Por que, perguntei
- Ele veio me oferecer favores pra eu testemunhar num processo contra uma pessoa que nem conheço.
- É mesmo?!
- Imagine o senhor. Ele me disse: ”é só uma assinatura. - Não vai dar nada pra você”. Acabei me desentendendo com ele. “Doutor, e a minha honra? E a minha consciência, Doutor?” Pague-me, quero ir embora daqui.
- E ele?
- Insistiu pra que eu ficasse, se desculpou, quase humilhado. Mas fui saindo.
- Você vai viajar?
- Vou. Nem parece, né. Minha mala é este pacote. Tenho amigos no interior. Sempre embarco aqui, no Tietê.
- E sua família?
- Não tenho. Não me casei porque não podia sustentar uma família. Não me sentia no direito de comprometer uma mulher pra sofrer ao meu lado.
- Você é uma figura rara.
- Desculpe senhor, meu ônibus vai sair. Obrigado pela gentileza de me ouvir.
- Sentado, boquiaberto, vi-o desaparecer entre os transeuntes, rumo ao embarque.

Hezio Teixeira 

Comentários

Anônimo disse…
Homem honrado!
Coisa rara no mundo, sempre foi raro, e hoje se parece mais raro ainda.
Os verdadeiros "humildes" não se acham no direito de exigir um direito que, certamente, poderia pedir judicialmente e obter.
Lição pra muita gente.



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